Sim, eu luto pela educação, contudo também estou de luto pela educação. Faz três semanas que um silêncio perturbador tomou conta dos meus dias. Não tem mais o barulho das conversas dos alunos, não ouço os questionamentos: Sora é para copiar? Eu não entendi, sorinha? Sora, eu posso ir ao banheiro? Sora tu vai corrigir? Sora é para entregar? Não tem mais o burburinho na sala dos professores, porque professor quando se junta, adeus silêncio. Nada de rotina, nem de correria. A jornada que antes era de 12 horas diárias, agora é de 24h, contudo é uma jornada solitária e silenciosa.
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Não temos troca de períodos, recreio, lanche, trocamos tudo por uma tela. Sinto falta de interagir. ah! A melhor parte de ser educadora é a interação, ver gente, ensinar, aprender, trocar saberes, ouvir, falar, ver os olhares atentos às explicações, olhares sedentes pelo saber, até mesmo aquele que não presta atenção na aula, faz falta. Saudade também dos pais, dos questionamentos no início das aulas, das reuniões, da cordialidade dos cumprimentos, bom dia, boa tarde, boa noite, sinto falta dos sorrisos, dos abraços, do afeto, dos pães que já ganhei, das lembrancinhas, dos doces em compota, guardanapos, lanches, entre tantas outras manifestações de afeto. Sinto falta de ouvir por inúmeras vezes “te amo sorinha”, “sora tu é a melhor”, “sora eu te admiro, quero ser como tu”, coisas que só quem é professor sabe. Saudade da equipe diretiva e pedagógica, das nossas reuniões presenciais, nossos cafés, formações, almoços, saudade da família que é a escola. Também sinto falta do trânsito na cidade que quer ser gente grande, sinto falta de ficar sem almoçar, de comer um pão no lugar do almoço, de imprimir aulas na hora do intervalo.
Em lugar a tudo isso, enfrentamos talvez, um dos maiores desafios de nossas vidas, lutamos para que a aprendizagem aconteça, lutamos contra um gigante chamado “distanciamento”. Mesmo com todos os recursos tecnológicos disponíveis no mundo, e que nem todos possuem acesso, nada substituí a interação, o contato, a troca de saberes, o diálogo e as práticas escolares.
Foi difícil encontrar tempo para escrever este texto, mesmo em casa, pois a demanda de trabalho aumentou e muito nas últimas semanas. A educação a distância é uma utopia, que está longe, muito longe de ser realidade no Brasil. Os alunos não possuem os recursos básicos, como alimentação e uma moradia decente, a maioria não tem acesso aos recursos tecnológicos. Atendo aproximadamente 200 alunos, de diferentes níveis, primeiro, segundo e terceiro ano do ensino médio, nas disciplinas de língua portuguesa e literatura, mais as turmas de educação especial.
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Tenho um celular antigo e que já está com pouca memória e um notebook bem simples. Nas últimas semanas tive que aprender a dar aula a distância, gravar e editar vídeos, utilizar aplicativos novos, como o de sala de aula virtual, criar conteúdos e atividades adaptadas para serem desenvolvidas online, criei diversos grupos de WhatsApp, salas de aula virtuais, tive que converter arquivos, compactar arquivos, fazer cursos online, responder milhares de mensagens, aceitar trabalhos por e-mail, por aplicativo, por foto, tudo para adaptar o ensino a realidade dos alunos.
Não sou professora de informática, não fiz curso de tecnologia da informação, sei pouco sobre esta área, ainda tenho o suporte de ter um irmão que trabalha com TI e um filho que me dá o suporte, mas vejo a angústia de muitos colegas que não têm conhecimento nesta área, nem suporte, alguns estão enfrentando crises de ansiedade. Respondo mensagens de alunos o dia inteiro, muitas vezes depois da meia-noite, pois muitos jovens trabalham e não conseguem acompanhar, como o caso de um aluno que está trabalhando no exército, dou as explicações para ele individualmente, pois ele só consegue realizar as tarefas no dia da folga.
Então, se levamos em consideração que os alunos são indivíduos, que cada um possuí as suas particularidades, também precisamos ver, que os professores também são indivíduos e que nem todos conseguem se adaptar nesta realidade tecnológica. Sim, precisamos dar conta, precisamos ser competentes e maleáveis, contudo somos seres humanos e precisamos de apoio, precisamos de empatia. Criar processos extremamente burocráticos neste momento de pandemia é de extrema crueldade com os profissionais. É o momento de lutarmos pela educação, ajudarmos os nossos alunos, mas também de APLAUDIRMOS essa categoria tão esquecida e desprezada pela sociedade, afinal de contas não existiriam médicos, cientistas, pesquisadores, policiais, advogados, biólogos se não fosse o trabalho dos grandes heróis da sociedade: os professores.
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