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Sexta-feira, 04 de Outubro de 2024

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O autor deve “morrer” após a escrita de seu livro

Ensaio literário publicado em 1968 nos faz repensar a figura do autor.

Vinício Souza - Literatura
Por Vinício Souza - Literatura
O autor deve “morrer” após a escrita de seu livro
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Capitu traiu Bentinho? 

Há mais de 120 anos que os leitores de Machado de Assis se fazem essa pergunta. A traição teria sido apenas uma desconfiança infundada por parte de Bentinho, personagem narrador da história, ou será que Capitu realmente teve relações com Escobar? Quem seria capaz de nos dizer ao certo? Segundo o texto de Roland Barthes, A Morte do Autor, nem o próprio Machado de Assis, se aparecesse em carne e osso em nossa frente, seria capaz de desvendar tal mistério.

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Vamos eu e você, leitor, entender o porquê: Barthes foi um filósofo linguista e um dos principais pensadores da teoria literária contemporânea.  Em seu ensaio mencionado anteriormente, Barthes defende a morte do autor, ou seja, o fim simbólico da ideia de que a explicação final de um texto cabe a seu próprio criador. Para ele, devemos suprimir o autor em proveito da escrita. O texto, e tão somente ele, é quem deve falar. O escritor “morre” para que somente as palavras sejam nosso norte.

A escrita seria, portanto, a destruição de toda voz, de toda origem. A partir da publicação de um livro, a opinião do autor sobre aquela obra será somente uma entre tantas outras que surgirão a partir dali. Barthes retira o foco do escritor para colocá-lo no leitor. Dar um autor a um texto, menciona o filósofo, é impor a esse texto um mecanismo de segurança, é dotá-lo de um significado último, é fechar a escrita. Barthes ainda afirma que a crítica literária moderna erra ao procurar sentidos sobre uma obra na figura de seu criador. 

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Podemos analisar A Morte do Autor também fora da literatura, como em músicas, filmes e séries. Pensemos o seguinte: um artista acaba de lançar uma nova música. Nós, fãs que somos, já a escutamos diversas vezes e nos apaixonamos pelas suas estrofes e seu sentido. Porém, mais tarde, o músico, ao dar uma entrevista, “revela” o significado de sua canção, o qual é completamente diferente daquilo que pensávamos. A Morte do Autor tenta nos dizer que nossa leitura sobre tal música não seria menos importante.

O que Roland Barthes nos apresenta é uma visão diferente e polêmica acerca da figura do autor. É evidente que, ao declarar a participação do leitor como protagonista no processo de dar significado a um texto, Barthes não afirma que qualquer interpretação sobre uma obra é válida. Não devemos ver coelhos onde existem gatos. Ainda assim, será que a intenção do autor não deve ser considerada? Devemos “matá-lo” para que possamos aproveitar a obra da forma que ela está nos sendo apresentada, sem influências externas? Devemos retirar do criador do livro o título de Gênio-detentor-de-todo-sentido sobre a obra? Você decide.

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Enquanto isso, Dom Casmurro permanece sendo marco da literatura nacional, deixando dúvidas nas mentes de seus leitores. Apoiadores ou não da teoria de Barthes, vamos concordar, eu e você, que se pudéssemos conversar com Machado de Assis, não seria de bom tom perguntarmos se Capitu traiu Bentinho, certo? Bom mesmo é tirarmos nossas próprias conclusões. É deixarmos sua obra falar.

O scriptor moderno nasce ao mesmo tempo que o seu texto; não está de modo algum provido de um ser que precederia ou excederia a sua escrita, não é de modo algum o sujeito de que o seu livro seria o predicado; não existe outro tempo para além do da enunciação, e todo o texto é escrito eternamente aqui e agora.”

“O nascimento do leitor tem de pagar-se com a morte do Autor.” Roland Barthes.


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