Quem viveu próximos de um avô campeiro ou uma avó de cabelos de algodão, fazedeira de doces e pães caseiros, ouviu pelo menos eles falarem nos três reis magos cantadores do divino. Não são exatamente Melchior, Baltazar e Gaspar com mirra, ouro e incenso, mas os representantes contemporâneos desses que carregam violão, viola, rabeca, gaita, tem ainda o bumbo, o pandeiro ou chocalho e as vozes femininas (ou não). São grupos que visitam as casas com sua alegria, sua música e seus versos, geralmente poesias de quadras (quatro versos rimados), pedindo licença ao dono da casa para serem recebidos e exaltarem o nascimento do Deus menino.
A tradição dos Ternos de Reis espalhou-se no estado desde o século XVIII com a chegada de colonizadores açorianos que desembarcaram aqui para ajudarem a construir um estado forte e próspero. Durante muitos anos essa tradição ficou relegada ao pitoresco, aos recônditos ermos lugares do nosso Rio Grande de São Pedro do Sul. Em 1960 o grande mestre e um fervoroso apaixonado pelas nossas tradições, Paixão Côrtes lançou um livro falando especificamente desse tema: Terno de Reis – Cantigas de Natal, resultado de suas pesquisas em incursões pelo interior do estado. Esses interiores remotos e de difícil acesso nos dias de hoje, imagina na década de 50 e 60.
Existe também o registro da famosa gravadora gaúcha “A Casa Electrica”, de Severio Leonetti, que em 1914 gravou um disco com temas relacionados aos ternos. Os temas eram: Reis Camponeses e A Chegada dos Reis. Essa ação fez com que os temas virassem sucesso entre as famílias que possuíam gramofones à época, mesmo alguns não conhecendo a tradição dos Ternos de Reis.
Os grupos (que se chamam ternos) são compostos geralmente por mestre, contramestre e seus ajudantes. O mestre geralmente entoa o canto principal e o contramestre responde no contracanto com o mesmo verso ou respondendo ao verso do mestre. Seus ajudantes (os do contramestre) cantam sempre em segunda voz, formando um lindo e emocionante coral.
Para que o terno se estabeleça enquanto cântico, existem algumas praxes sobre a forma de conduzir o terno. Existem versos de anunciação, em seguida os versos com pedido de licença para adentrar ao terreiro e em seguida as casa, vem depois a louvação, o agradecimento e por fim, a despedida.
Vejam ou tentem vislumbrar quantas coisas boas estão intrínsecas nesse compêndio. Primeiro a humildade de emprestar seu talento musical, seja com algum instrumento ou com a voz para formar um grupo que, de forma itinerante e gratuita, seguem jornada de casa em casa anunciando a chegada de Jesus.
A simplicidade do homem do campo que em época de “reis” se regozija em receber as pessoas com sorriso, comida e compartilha de uma forma simplista a alegria e harmonia do seu lar. Confraternizando sem luxo nem riquezas a educação de solicitar acesso, de poder compartilhar aquele momento com aquela família. A união fraterna e afetiva na música, nos cânticos e na adoração ao renascimento, que simboliza cada natal e cada ano novo, compartilhado entre pessoas que por vezes nem se conhecem, mas que abrem o coração a receber luz em sua alma.
Ao despedir-se o terno leva consigo o sorriso e a certeza que congregou de um momento ímpar e singular. As famílias ficam com a certeza que o Deus Menino se refez em cada coração, que a alegria e a felicidade não estão empacotadas pra presente, mas anunciadas de forma lúdica em cada canto e em cada gesto.
Por fim e talvez, mais importante, a união fraternal e respeitosa feita em um enlace familiar único e majestoso. Onde a família que acolhe o terno, torna-se a família do terno. Os reis trazem a sua simplicidade e a depositam no coração daquela família. Todos compreendem que compartilhar e confraternizar traz ao mundo um momento de ternura e afeto onde os diferentes, tornam-se iguais e o espírito principal do natal que é o respeito e o bem viver se faz completo.
Por isso, quando escuto um terno de reis se anunciando recordo meu avô, recordo o Fernando do Gringo na gaita, todos se preparando no portão do rancho visitado e ao roncar a gaita velha, os cantadores entoavam os versos:
“Agora mesmo cheguemo, na beira do seu terrero
Para tocá e cantá, licença peço premero...
Meu senhor dono da casa, se escutar me ouvireis
Que dos lados do Oriente são chegados os Três Reis”
Paixão Cortes já dizia em seu livreto publicado em 2000 “Tirando Reses” que o movimento tradicionalista não pode ficar alheio às FESTAS DE NATAL DO RIO GRANDE DO SUL. Se não quiser fugir a uma de suas principais finalidades, a de preservação do culto de uma das mais puras tradições rurais: O PRESÉPIO E AS FESTAS DE REIS.
Minha irmã Denise Santos e sua equipe cultural, lá do CTG Gomes Jardim, fizeram sua parte com muita propriedade, com maestria e, o mais brilhante de tudo, com muito amor. Transbordando entre os que se atreveram a ir prestigiar tanto afeto que o choro tomou conta da sala ao verem os Reis Magos. Em forma de gente simples cantando ao menino Jesus, ao ver o presépio vivo e a menina em forma de anjo abrilhantando o salão do CTG.
A questão que me intriga é: o movimento tradicionalista tem se preocupado com isso? Só pra fazermos o acordo final, lembrem que Noel é lenda pra vender quinquilharias, presentes materiais não enchem o coração, mas um gesto de bondade, de ternura e de afeto pode marcar pra vida toda. Obrigado 2019 por todos os aprendizados, me despeço rumo a 2020 como meu avô me ensinou:
“Senhora dona da casa, agradeço a gentileza
Santos Reis que abençoem a sua sagrada mesa
Pela oferta que nos deu, ficamos agradecidos
Na mesma hora que deu, lá no céu foi recebido
Eu agradeço o vinho, que vós nos ofertou
Eis o sangue do divino que Jesus abençoou
Vamos dar a despedida, como deu Cristo em Belém
Esse terno se despede, até o ano que vem”
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