Na manhã da última terça-feira (22/09/21), em seu discurso de abertura na 75ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a política ambiental brasileira e culpou organizações da sociedade civil como responsáveis por uma “campanha de desinformação” contra o país por sua liderança global na produção de alimentos. Confesso que, assistindo ao vivo, me senti muito mal e lembrei de uma frase antiga: “Se lonar vira circo, se gradear vira presídio e se trancar a porta vira hospício”..
Diante de uma comunidade internacional, o presidente minimizou e ridicularizou a gravidade das queimadas, as atribuiu a ações de indígenas e de organizações contrárias às políticas ambientais adotadas, negando registros disseminados mundialmente da recente destruição do Pantanal, do Cerrado, da Amazônia e de parte da Mata Atlântica e omitindo que seu governo é responsável pelo desmonte de políticas ambientais eficazes e dos órgãos de fiscalização.
Bolsonaro fez um discurso que subestimou o nível de conhecimento e informações dos líderes mundiais sobre a crise ambiental brasileira motivada por brigas políticas e ganância desenfreada, diminuindo a política externa brasileira ao abrir mão de discutir as grandes questões contemporâneas do mundo como as mobilizações antirracistas para fazer uma defesa de seu governo com informações distorcidas e incompletas sobre o meio ambiente, sua gestão sobre a pandemia e a saúde dos brasileiros. .
Esse discurso que subestimou o nível de informações de seus pares sobre o que acontece no Brasil é o que destrói a credibilidade do país diante da comunidade internacional podendo, inclusive, afetar nossas relações diplomáticas e comerciais a curtíssimo prazo.
Em seu pronunciamento, o presidente afirmou que o Brasil se destaca no campo humanitário e dos direitos humanos e que vem se tornando referência internacional pelo compromisso e pela dedicação no apoio prestado aos refugiados venezuelanos e haitianos que chegam ao Brasil. O que faltou informar é que desde março, os venezuelanos estão proibidos de entrar no país por portaria do governo federal em razão da emergência sanitária da Covid-19 e os haitianos atendidos vieram há anos atrás.
Identifica-se que há uma hipocrisia e ignorância acima no normal quando o presidente usa a acolhida humanitária do Brasil para se promover. Há seis meses, o próprio governo federal interrompeu parcialmente essa acolhida ao fechar suas fronteiras às pessoas que buscam refúgio durante a pandemia, de forma que as regras sobre o fechamento das fronteiras brasileiras têm sofrido flexibilizações ao longo dos últimos meses mas que atualmente, permite a entrada de turistas e investidores por via aérea, mesmo que proíba pessoas que fogem da crise humanitária na Venezuela ou dos desastres do Haiti de entrar em território nacional..
Apesar de falar aos quatro ventos que o Brasil tem compromisso com os princípios basilares da Carta das Nações Unidas, incluindo respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, o próprio discurso do presidente desrespeita a liberdade religiosa e viola a Constituição ao declarar que o país é “cristão e conservador”. E o estado laico onde fica?
Quando o discurso foi encerrado, parecia que tinha rasgando a Constituição ao dizer que o Brasil é um país cristão, atestando perante a comunidade internacional que não respeita o princípio da laicidade salvaguardado pelo artigo 5º.
Diferentemente do que o presidente afirmou, o Brasil deixou de ser referência em direitos humanos quando cada vez mais se isola e vota junto com poucos países que subjugam pessoas em resoluções sobre gênero no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Ou será que já se esqueceu que “meninas vestem rosa e meninos vestem azul”?.
Não é a primeira vez e certamente não será a última que um representante brasileiro envergonha uma nação inteira. Já teve bêbado mijado, quem quisesse estocar vento, quem diziam “ter pacto com o cão” e tantos outros em eventos oficiais envergonharam a nação brasileira. Agora mentiroso de cara lavada, subvertendo fatos, sem vergonha nenhuma, me gerou choque.
São atitudes assim que fazem repensar meu próprio projeto de vida, trabalhando pelo meio ambiente, fazendo trabalho comunitário, escrevendo e fiscalizando políticas públicas, buscando capacitação periódica sem reconhecimento ou retorno financeiro pelas bobagens que as pessoas falam e fazem por aí.
Entretanto, conversando com tantos amigos e mentores ambientais, vem um conforto de que nem todas as sementes plantadas germinam, mas as que germinam, geram o espetáculo da flor, do fruto e da beleza da renovação. Continuaremos lutando!
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