Conforme os leitores já verificaram na edição passada, Luiz Carlos Barbosa Lessa é um dos meus escritores favoritos em se tratando de Tradicionalismo. Não apenas pela bela e consistente escrita (apenas é duro de escrever para alguém desse quilate), mas pelo apreciável e riquíssimo conteúdo que traz em cada material que nos legou. Quando questionado sobre a origem etimológica da palavra Gaúcho, Lessa de pronto respondeu que ninguém sabia ou consguia de forma plausível e concreta identificar essa origem.
Existe uma explicação lendária que junta a palavra guaranítica “guahu” (uivo do cão) com o pronome também guarani, “che” (meu) e que gera algo completamente diferente como “gente que canta triste”. Já no Uruguai os estudiosos se dividem em duas vertentes, uma vem do professor Buenaventura Caviglio, que reporta ao instrumento “garrocha”, uma espécie de foice que, instalada geralmente na ponta de uma lança, cortava o jarrete dos bois, durante as caçadas do couro. Nesse caso, garrucho seria o homem que utilizava a garrocha, como os guaranis não conheciam o som de rr, passaram a dizer guahucho.
A outra vertente, liderada pelo professor Fernando Assunção, reporta-se à palavra francesa gauche (pronuncia-se “gôche”), que significa esquerdo e, por extensão, tudo o que não é direito. Daí o galicismo espanhol gaúcho, aplicado em Geometria e Arquitetura para significar aquilo que está fora de nível; e o primitivo gaúcho era considerado, dentro do plano social, como um defeito da raça espanhola. Houveram vários debates em outras regiões, mas nada que conseguisse trazer à tona documentos que assegurassem uma versão do nascedouro dessa expressão que conota em nosso estado, o estado de espírito, a identidade de um povo.
O que Barbosa Lessa traz é que o primeiro registro da palavra se dá em 1787, quando o matemático português Dr. José de Saldanha andou por aqui como integrante da comissão demarcadora de limites na banda oriental do Uruguai. Numa nota de rodapé, em seu relatório de trabalho, esclareceu: “Gauche – palavra espanhola usada neste país para designar os vagabundos e ladrões do campo, que matam os touros chimarrões tiram-lhes o couro e vão vender ocultamente nas povoações. Soava à época pejorativamente.
Mas fica claro que não tratava-se de palavra portuguesa, nem do Reino nem da ilha dos Açores. Como não sabia realmente de nada diferente do relatado, Barbosa Lessa carregava essa incerteza consigo, mas não com resignação, afinal, haveria algo mais que vagas suposições. Bem vejam vocês essa história escrita pelo próprio Barbosa Lessa e transposta no livro Rodeio dos Ventos da editora Mercado Aberto. Certa vez, após larga discussão sobre o tema e, não chegando a nenhuma resposta consistente, um amigo de extrema confiança sua, perguntou se podia consultar no plano espiritual alguma resposta para a etimologia da palavra gaúcho. Barbosa riu mas, consentiu. Eis que seu amigo lhe trouxe o relato que o Dr. José Saldanha tinha razão que a palavra era espanhola, porém não provinha do continente, mas das ilhas Canárias, tratava-se da distorção de guanche ou guancho. Intrigado, Barbosa Lessa buscou informações com espanhóis vindos das Canárias que confirmaram a existência de tais palavras. Inquieto e insistente, como bom pesquisador, Barbosa Lessa escreveu ao Professor Néstor Alamo, uma sumidade espanhola do assunto. Dizia na carta o ilustre professor que a palavra guanche servia aos habitantes pré-hispanicos das ilhas Canárias.
Esta raça teve sua existência até a metade do século XVI, depois passaram a mesclar-se com os europeus colonizadores. Claro que Barbosa, mesmo conflitando as informações, não submeteu a nenhum congresso ou estudo, afinal quem acreditaria que os astros, espíritos, entidades ou qualquer que chamem a fonte, seriam factíveis e quem não contestaria a sanidade do próprio Barbosa Lessa. Restou então registro no livro já anteriormente registrado, para o deleite dos leitores. Sejam gaúchos, guanchos, garrochos ou guanches, o que importa é nosso estado de espírito.
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