A legislação ambiental tem sido questionada sistematicamente por argumentos que dizem prover a preservação, a conservação da natureza e o desenvolvimento, ou melhor, o crescimento econômico. Esses objetivos antagônicos que, apesar de possuirem um embasamento legal e técnico, devem ser flexibilizados, porém a natureza precisa ser sujeito ativo.
Em agosto do ano passado, o governador Eduardo Leite, o secretário estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura Artur Lemos Jr. e sua equipe levaram à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul ( ALERGS) dados voltados à:
1. Modernização do Código de Meio Ambiente – Lei 11.520/2000;
2. Atualização do Código Florestal – Lei 9.519/1992;
3. Atualização do Sistema Estadual de Recursos Hídricos – Lei 10.350/1994;
4. Proposta de Emenda à Constituição voltada à Segurança Jurídica para conceder UC’s;
5. Atualização da Política Estadual do Biometano com Inclusão do Biogás e novas matrizes – PL 270/2019.
Já em dezembro, o legislativo aprovou o novo Código Ambiental do Rio Grande do Sul. O texto original, que alterava 500 regras com 75 mudanças e uma emenda de 18 páginas, foi sancionado em 09/01/2020 e já está em vigor.
Informações divulgadas pelo governo estadual dizem que com a nova lei espera-se reduzir de 160 para 90 dias o tempo médio de emissão de uma licença, de forma que as regulamentações previstas na legislação serão feitas nos próximos meses.
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Para os apoiadores das mudanças, as principais diferenças com a legislação federal, como a insegurança jurídica e a subjetividade técnica, foram trabalhados com uma participação efetiva da Federação da Agricultura (FARSUL), do Ministério Público Estadual (MPE-RS), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) e demais entidades empresariais e representativas do Rio Grande do Sul.
O promotor de Justiça Daniel Martini, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente, disse que o projeto de lei foi apresentado ao MPE-RS no mesmo dia em que foi protocolado na Assembleia. Que, após analisar o texto, promotores e procuradores encaminharam 112 sugestões de alterações ao governo do estado, principalmente para as atividades sujeitas à Licença Ambiental por Compromisso (LAC), para que ficassem restritas a atividades de baixo impacto, de pequeno potencial poluidor. Essa proposta não foi acolhida.
Utilizando-se da premissa que o código ambiental anterior havia sido discutido por nove anos antes de ser aprovado em 2000, a sociedade e ambientalistas reclamaram que ocorreu uma única oportunidade para debater o projeto. Foi em audiência pública marcada por “bate-bocas” e protestos, mas que na íntegra não houve uma ampla consulta.
Também não passou em reunião, nem foi discutido pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia e pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (COMSEMA) , de forma que o quesito prevalecente foi exatamente o do crescimento econômico, uma vez que a Lei Nº 15434/2019 flexibilizou radicalmente a legislação ambiental gaúcha.
Analisando esses questionamentos da sociedade e ambientalistas, por enquanto o Ministério Público diz que ainda não pensa em entrar com uma ação para suspender a legislação, pois a estratégia da instituição é continuar negociando com o governo na fase de regulamentação do Código.
As principais mudanças são a criação da Licença Ambiental por Compromisso (LAC) com Licença Única (LU) e Licença de Operação e Regularização. Há atualizações que acompanham a legislação federal como aprimoramento dos termos técnicos, prazos de licenças (passando de cinco para dez anos), regramento das Áreas de Preservação Permanente e modernização do Sistema de Unidades de Conservação. Além de exclusão de Zona de Amortecimento para Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN), Área de Proteção Ambiental (APA) e área urbana consolidada, além da necessidade de dar ciência ao Ministério Público e ONGs na apresentação de EIA/RIMA, entre outros.
Um dos pontos críticos foi o de insegurança jurídica, o qual não preocupa apenas entidades ambientalistas, mas o próprio setor produtivo. Em manifestação pública, a Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS) reclamou que vários artigos exigem regulamentação posterior.
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Especialistas dizem que a maior insegurança jurídica está relacionada à aplicação das novas normas. Ao analisar um caso concreto – um processo de licenciamento, por exemplo – qualquer juiz pode questionar a constitucionalidade da nova legislação. De maneira que o empreendimento que estiver se instalando com base no novo código pode vir a ser questionado judicialmente, a exemplo do novo Código Florestal, que depois de seis anos em vigor, teve artigos vetados pelo Supremo Tribunal Federal.
Outros pontos de críticos do novo Código Estadual de Meio Ambiente podem ser analisados na seguinte tabela:
Como era | Como ficou | |
Licenciamento |
Definia as Licenças Prévia - LP, de Instalação - LI e de Operação - LO. | Cria a Licença Ambiental por Compromisso (LAC), autodeclaratória e sem análise prévia dos técnicos ambientais. Também cria prazos mais curtos para o “bom empreendedor”: empresas com certificação, cujos sócios não tenham contra si sancões administrativas ambientais transitadas em julgado nos últimos 5 anos ou que tenham boas práticas de protecão e conservacão ambiental certificadas pelo orgãoo ambiental estadual. Conforme uma previsão da FEPAM, deverá ser aplicado inicialmente de 25 a 30 atividades com potenciais de poluição variados, de acordo com classificação da Resolução CONSEMA Nº 372/2018 e suas atualizações, a qual deverá ser também revista sob a responsabilidade do Conselho Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA) para atender às demandas do novo código aprovado |
Estímulos e Incentivos |
Dizia que o Estado deveria financiar atividades de pesquisa, educação ambiental, saneamento, etc, e também apoiar universidades e centros de pesquisa. Proibia que bancos e fundos estaduais financiassem empresas e órgãos públicos que descupram a lei ambiental estadual. |
O Estado vai fomentar a protec?a?o do meio ambiente “por meio de incentivos e mecanismos econo?micos” e podera? criar linhas especiais de cre?dito para esta finalidade. Institui o Pagamento por Servic?os Ambientais, a ser disciplinado por regulamento. Retira a proibição a bancos e fundos estaduais de financiarem quem descupre a lei ambiental estadual. |
Áreas de Preservação Permanentes (APPs) | Proibia qualquer tipo de exploração sem autorização prévia de órgãos competentes e sem a realização de Estudo Pre?vio de Impacto Ambiental (EIA) e de Relato?rio de Impacto Ambiental (RIMA). | Afirma que é uma a?rea protegida, mas não menciona as leis que a protegem nem as regras para sua utilização. |
Áreas de uso especial | Havia um capítulo dedicado às áreas de uso especial. Além das Unidades de Conservação (UCs), integravam este grupo as áreas adjacentes a?s UCs, áreas reconhecidas pela UNESCO, bens tombados pelo poder público, estua?rios, lagunas, banhados e plani?cie costeira, entre outros | Suprimido |
Patrimônio Ambiental | Obrigava o Estado a manter bancos de germoplasma para preservar amostras significativas do patrimo?nio gene?tico do estado, em especial das espe?cies raras e ameac?adas de extinc?a?o. | O Estado deve fomentar a manutenc?a?o de bancos de germoplasma, mas não é obrigado a mantê-los. |
Possibilidade de Acordos | Não constava | Suprimido |
Projetos Governamentais | Os programas governamentais de a?mbito estadual ou municipal deveriam passar por avaliac?a?o pre?via das repercusso?es ambientais, inclusive com a realizac?a?o de audie?ncias pu?blicas, em toda sua a?rea de influe?ncia. Incluia os planos diretores municipais, planos de bacia hidrogra?fica e planos de desenvolvimento regional |
Suprimido |
Unidades de Conservação (UC) | Emprendimentos localizados a um raio de até 10 km dos limites UCs precisavam de autorização da entidade gestora da UC. | O limite passa a ser de 3 km no caso das UCs sem zona de amortecimento definidas pelo Plano de Manejo. |
Poluição do ar | O estado deve monitorar, fiscalizar e regrar os níveis de poluentes na atmosfera, além de elaborar planos de controle da poluição atmosférica. As empresas que estiverem interferindo no bem-estar da populac?a?o pela gerac?a?o de poluentes atmosféricos terão que adotar medidas de controle. | O capítulo que trata da poluição do ar foi reduzido de 9 para 4 artigos. Entre os artigos suprimidos, está o que obrigava empresas que estivessem estivessem interferindo no bem-estar da populac?a?o a adotar medidas de controle. |
Código Florestal | Revoga 13 artigos do Código Florestal, entre eles a proibição do corte de figueiras, corticeiras, algarrobo e inhanduvá, além do artigo que regrava o manejo de florestas nativas. | |
Áreas Costeiras | Classificava as “dunas frontais, nas de margem de lagoas e nas parcial ou totalmente vegetada” como áreas de preservação permanente. | Determina a proteção da zona de “dunas frontais do Oceano Atla?ntico” e dos “campos de dunas mo?veis de significativos valor ecolo?gico e paisagi?stico”. As “dunas frontais” deixam de ser consideradas áreas de preservação permanente. |
Mata Atlântica | Mencionava o tombamento da Mata Atlântica como um instrumento adicional de proteção deste bioma | O Bioma Mata Atla?ntica e? considerado Patrimo?nio Nacional e Estadual, mas é retirada a menção ao tombamento. |
Bioma Pampa | Não constava, pois o Bioma só foi reconhecido em 2004. | O Bioma Pampa tera? suas caracteri?sticas definidas em regulamento especi?fico. Ao mesmo tempo, aponta cinco atividades no Pampa que ficam dispensadas de autorização pelo órgão ambiental. |
Transparência |
Revoga a Lei Nº 12.995/2008, que assegurava ao público acesso aos processos administrativos do Sistema Estadual de Informações Ambientais e a diversas outras informações, como resultados de Licenciamento Ambiental e Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental. |
Por fim, como ambientalista atuante, entendo que o RS, estado de reconhecido pioneirismo na luta ecológica, retrocedeu na esteira da construção de uma cidadania voltada para a tutela da natureza e abriu espaços para as interpretações duvidosas da lei.
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