Me inseri no tradicionalismo através da dança. Estou falando de março de 1982. Eu era só um piá, sem nenhuma noção de tradicionalismo, de dança, ainda mais esse negócio de “invernada”. Fui levado pelo meu saudoso pai ao CTG, com minha bombacha cinza, única inclusive, as alpargatas de brim com solado de corda e uma faixa castelhana vermelha na cintura, ainda não tinha uma guaiaca.
Sou consciente que “tradicionalismo” envolve muito mais que danças tradicionais, há muito do lado cultural, campeiro, histórico e de preservação para perpetuar. Como nos legou Leon Tolstói: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia. Mergulhei profundamente ao me apaixonar pela dança.
Primeiro, as pessoas que me receberam foram extremamente acolhedoras e de uma sensibilidade imensa, depois porque nunca paguei nada além da mensalidade do CTG para estar ali, aprendendo das danças de antigamente, isso me conectou com todo o contexto e a conquista maior de todas, que não foi troféu, rodeio ou concurso, mas sim conhecer o mestre, o mito, o homem que criou o tradicionalismo e seu contexto. Estou falando de Paixão Cortes.
De tanto que li e leio, acabei formando minha biblioteca particular, onde sorvo os ensinamentos dos mestres Paixão Cortes, Barbosa Lessa, Borges Fortes, Augusto Meyer, João Simões Lopes Neto, Antônio Augusto Fagundes, Debret, Saint-Hilaire, entre tantos outros que tentam aplacar a ânsia do conhecimento sobre a história de nossa gente formatando a tradição. Com essa sede de conhecimento, aliado aos anos de dedicação a dança tradicional e aos grupos que pude contribuir com algum ensinamento, sigo construindo minha ideia de tradicional e passando adiante, sem cobrar um centavo, afinal foi assim que aprendi e prometi seguir por essa trilha.
Já participei de tantos rodeios, festivais, concurso, já fui ao FEGART, ao ENART, ao FEGADAN, às etapas do FNCG e ao Rodeio Internacional da Vacaria, tenho algum subsídio para construir opinião própria embasada no contexto tradicional. E nesse final de semana, mais uma vez, me parei (de tonto) pra olhar um pouco do dito “maior encontro de arte e tradição do mundo”. De arte concordo, mas de tradição contesto. Eu também constatei, nesse mesmo final de semana, que estou envelhecendo. O evento: parei em frente à televisão, dedicado e atento, afinal a programação era farta, mas em seguidinha já me aporreei. Me perguntei tantas vezes: O que é isso? Cadê a tradição? Onde erramos? Pra onde estamos indo? Tem salvação?
O leitor desavisado ou desconectado com o meio, pode se perguntar: Do que fala esse doido? Falo do ENART – Encontro de Artes e Tradição Gaúcha, que acontece todos os anos em Santa Cruz do Sul reunindo inúmeros CTGs do nosso estado para disputarem diversas modalidades em concursos de habilidade e talento. Antes, bem antes deste, tínhamos o MOBRAL, o FEGART e o Rodeio Internacional da Vacaria. Os tempos evoluíram, as mídias nos projetam para o mundo inteiro e o ENART seguiu nessa mesma tendência globalizada. Mas esquecemos que TRADIÇÃO é o resgate e não a projeção.
Me irritei com o tempo dedicado a coreografias diferentes em contexto mas tão iguais em movimentos, que chamam entrada e retirada. Usam cenários hollywoodianos, figurinos variados, saltos, acrobacias, gestos forçados, malabarismos sem contexto histórico algum, resumiria apenas como um amontoado de movimentos executados em torno de um tema “pesquisado” que não necessariamente está conectado a tradição. Entre um pulo e outro, nesse frenesi cinematográfico que durava quase meia hora, entre a entrada e a retirada, alguns poucos minutos eram destinados a Dança Tradicional, que deveria ser a finalidade principal de tal encontro. Sem falar a questão dos trajes.
Alguns fora do contexto totalmente (quando alguém olhar de outro país não vai entender nada) mas o importante é adentrarmos no cerne do que pretendiam Paixão Cortes e a turma do “Julinho”, resgatar os viveres simples da gente do campo, para que a formação social e cultural do Rio Grande não se perdesse.
Daí vem à tona tanta coisa, que só em uma coluna não consigo escrever. Se tradição é reviver os tempos de antanho, para não deixar morrer um legado, onde se dançava em salão de baile todo mundo com as roupas iguais? Aliás, se uma mulher vai à uma festa e encontra outra com uma roupa parecida, já dá reboliço, imagina todas com a mesma roupa? Sem falar nos movimentos quase sincronizados de um bailar que deveria ser “solto” e “natural”. Não tem nada de natural ali, me desculpem. Sem falar da simplicidade, o montante as vezes, pode levar uma entidade a desembolsar até R$ 150 mil para chegar ao ENART, são instrutores, coreógrafos, compositores, músicos, indumentária, entre outros gastos.
Onde está a simplicidade nisso? Fora o show estilo Marquês de Sapucaí das entradas e saídas que de “tradicional” não tem nada. Isso ainda vai dar pano pra manga, porque ao que parece, pelos comentários da própria comissão organizadora, cada ano pioram as coisas. A reflexão que trago é: Queremos agradar ao público e a mídia ou fazer tradição de uma forma ilusória?
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