Muitos pularam sete ondas, fizeram promessas, juras de amor, brindaram o ano que chegava, que traria a esperança de novidades, de coisas boas, nascimentos, casamentos, planos na carreira, viagens, concretização de sonhos. Alguns não tão otimistas esperavam ao menos um ano melhor, porque pensávamos que 2019 tinha sido um ano difícil.
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Abraços calorosos, fogos de artifício lançados, que brilhavam e confundiam-se com as estrelas, a explosão do êxtase da novidade. Assim encerrou-se mais um ano, com aquela teimosa esperança que nunca morre. Janeiro iniciou inocente, não anunciou a que viria. Ouvimos rumores, não de uma guerra, mas de uma pandemia, contudo levamos tempo para acreditar na sua veracidade e poder devastador.
Aulas canceladas, fechamento do comércio, medidas de segurança, uso de máscaras, álcool em gel, distanciamento. Tivemos de aprender tantas coisas novas, que nos distanciar, engavetar sonhos, planos, mudar o nosso planejamento. Conheço muitas pessoas que adiaram o casamento tão esperado, cancelaram festas de aniversário, formaturas, chás de fraldas. Agora os nascimentos e as mortes são solitários, apenas os mais próximos. Não podemos mais assistir aos nascimentos, nem chorar nas despedidas.
Tudo mudou, numa velocidade incompreensível, não fomos ensinados, nem educados para isso, para tempos de guerra. Não, não há uma guerra lá fora, mas muitos enfrentam verdadeiras batalhas, no seu interior, seja pela solidão, pela crise financeira de uma falência ou de um desemprego, pela crise no casamento, pela falta de experiência com o novo. Há uma lacuna, uma não, várias, que precisam ser preenchidas com respostas, respostas essas que não temos, e são tantas as perguntas sem respostas, que estas lacunas já se acostumaram com o vazio.
Combater a Covid será fácil, os cientistas já trabalham para a produção de uma vacina eficiente. Entretanto existem muitos vírus em nossa sociedade que nunca serão eliminados, o vírus do preconceito, da discriminação racial, o vírus da violência, o vírus da fome, o vírus da falta de empatia, o vírus da corrupção, o vírus da diferença de classes, o vírus do analfabetismo, o vírus da indiferença com os idosos, o vírus da desigualdade... Para todos estes só o amor e a Arte nos salvarão.
Com muito orgulho apresento a poesia escrita pela minha ex-aluna Brenda Rösler, uma artista que além de pintar lindas telas, escreve poesia. Só a arte nos salvará.
Releitura do poema de Carlos Drummond de Andrade, o Amor bate na aorta. Escrito por Brenda Rösler.
O racismo bate na aorta
Preconceito
Sem eira
Nem beira,
Vira o mundo de cabeça pra baixo,
Suspende o amor por corpos no chão,
Tira a paz dos homens,
O amor seja como for,
É amor.
Menos se você for preto.
Meu bem, não chores, hoje tem jornal dos palhaços
No comando.
O racismo bate na porta,
O racismo bate na aorta,
Fui ver o que acontecia e me constipei.
Nojento e cruel,
O racismo bateu na porta,
Mas ninguém atendeu.
Entre joelhos no pescoço e tiros a queima roupa,
Entre a democracia em luta e desejos de igualdade.
Entre o medo e a insegurança,
Meu amor não te atormentes.
Certos ácidos servem como cura para o corpo.
E quando a boca murcha dos velhos hábitos
E quando os dentes tremem de medo da morte
E quando os braços perdem a força
O racismo faz um revertério
O amor desenha uma curva
O amor, seja como for,
É amor,
Menos se você for preto.
Meu bem, não chores, hoje tem jornal dos palhaços
No comando
O racismo bate na porta,
O racismo bate na aorta,
Fui ver o que acontecia e me constipei.
Nojento e cruel,
O racismo bateu na porta,
Mas ninguém atendeu.
Entre os joelhos no pescoço e tiros a queima roupa,
Entre a democracia em luta e desejos de igualdade.
Entre o medo e a insegurança,
Meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos servem como cura para o corpo.
E quando a boca murcha dos velhos hábitos.
E quando os dentes tremem de medo da morte.
E quando os braços perdem a força
O racismo fez um revertério
O amor desenha uma curva
Propõe a paz
Racismo é bicho instruído.
Olha: o racismo tá pulando o muro
O racismo segurou uma arma.
Pronto.
Daqui estou vendo o sangue
Que escorre do corpo
Essa ferida, meu bem, às vezes dói menos
Às vezes, nem sara.
Brenda Rösler é porto alegrense, tem 19 anos, reside em Guaíba, onde trabalha como recepcionista, foi aluna da escola Augusto Meyer, é artista plástica e poetisa. Link de seu perfil no Instagram.
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