“Uma infância roubada”. Tenho certeza que essa frase não sai da cabeça de muitos brasileiros nos últimos dias.
Mais do que uma simples frase, é um sentimento, uma dor que açoita a alma. Uma menina de dez anos, estuprada desde os seis, que engravida supostamente do seu tio, não é qualquer notícia. Não é qualquer página de jornal que a gente lê, esquece e já passa para a próxima. Trata-se de uma vida roubada de maneira brutal. E o pior: por quem deveria protegê-la.
Não bastasse toda essa dor, a criança, que teve seu aborto autorizado pela justiça do estado do Espírito Santo, amparada pela legislação, teve que lidar com a recusa do hospital de Vitória/ES em realizar o procedimento para interrupção da gravidez. Felizmente a justiça, na intenção de amenizar todo esse sofrimento, providenciou na realização do procedimento em hospital de referência no estado de Pernambuco.
No domingo, dia 16, em que a menina chegou ao hospital de Pernambuco, religiosos protestaram contra a interrupção da gestação e tentaram invadir a maternidade. A criança também teve ilegalmente seus dados divulgados na internet. O tio, acusado de ser o autor do crime, foi preso nesta terça-feira (18), quando estava foragido em Betim (MG).
Entretanto, em que pese os esforços da justiça e da medicina, quem ficará aprisionada, inclusive em prisão perpétua, é a própria vítima. Quem diz que a prisão perpétua não é admitida no Brasil é porque nunca passou pelo tormento que essa criança vivenciou e vivenciará pelo resto de seus dias.
É claro que o acompanhamento psicológico, médico e social será de extrema importância e amenizará os danos sofridos. Mas lamentavelmente essa história nunca se apagará. Nem da mente da menina, nem da própria História. Numa tentativa de recomeço, a criança vai mudar de endereço. Além disso, receberá uma nova identidade e não vai retornar para a cidade de São Mateus, no Espírito Santo.
Em fevereiro de 2019, o Datafolha, em pesquisa encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), avaliou o impacto da violência contra as mulheres no Brasil. O levantamento mostra que 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento e que 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. 42% dos casos de violência ocorreram dentro de casa. 76,4% das mulheres que sofreram violência, dizem que o agressor era alguém conhecido.
Diante disso tudo, meu conselho é que, independentemente de sua religião ou crença, lute, da maneira que puder, para que o judiciário e a medicina não tenham mais que amenizar a dor de vítimas de violência doméstica. E para que essas vítimas não sejam mais submetidas à prisão perpétua, nas grades das suas próprias lembranças.
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